24/06/2014

Lei Complementar do Estado de Minas Gerais nº 100/2007 – Considerações sobre a situação dos servidores após o julgamento da ADIN 4876 pelo Supremo Tribunal Federal – STF.

Por José Eduardo Batista e Isabella Violatti
Breve histórico: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4876 - STF:
 
Na data de 26.03.2014 o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4876, ajuizada pelo Procurador-Geral da República, a qual declarou inconstitucionais os incisos I, II, IV e V do artigo 7º da Lei Complementar estadual 100/2007.
 
De acordo com o processo, referida lei promoveu a investidura de profissionais da área da educação em cargos públicos efetivos sem a realização de concurso público, contrariando o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal.
 
A Suprema Corte seguiu o voto do relator da matéria, ministro Dias Toffoli, que propôs a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 27 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs), de forma a ressalvar os seguintes casos:
 
a)      aqueles servidores já aposentados, bem como daqueles que preencham ou venham a preencher, até a data de publicação da ata  do julgamento (01.04.2014), os requisitos para a aposentadoria;
 
b)      Os servidores  que se submeteram a concurso público quanto as cargos para os quais foram aprovados;
 
c)      A estabilidade adquirida pelos servidores, que cumpriram os requisitos do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal.[1]
 
Em relação aos cargos abrangidos pela lei mineira e para os quais não haja concurso público em andamento ou com prazo de validade ainda em curso, a Corte deu efeito prospectivo à decisão para que produza efeitos somente a partir de 12 meses contados da publicação da ata do julgamento.
 
Quanto aos cargos para os quais haja concurso em andamento ou dentro do prazo de validade, a decisão surte efeitos imediatos.
 
Tendo em vista que a decisão ainda não transitou em julgado, a administração pública não pode demitir os funcionários contratados por regime precário, mesmo para os quais haja concurso público em andamento ou dentro do prazo de validade.
 
Consequências jurídicas e providências cabíveis na espécie
 
Portanto, o que se percebe é que a decisão da Suprema Corte terá efeitos distintos para pelo menos três grupos de servidores, a saber:
 
Grupo I – Os que não serão atingidos pela decisão judicial (aposentados; em vias de se aposentar até a publicação da decisão; os concursados e os estáveis nos termos dos ADCT da CF-88);
 
Grupo II – Os que terão prazo de 12 (doze meses) a partir da publicação da decisão para deixarem o serviço público (aqueles cujos cargos não haja concurso público em andamento ou com prazo de validade em curso);
 
Grupo III – Os que terão que deixar o serviço público imediatamente mediante ato administrativo de exoneração (aqueles cujos cargos haja concurso público em andamento ou dentro do prazo de validade)
 
A nosso ver, os servidores enquadrados nos grupos I e II acima tiveram seus direitos preservados no efeito modulatório da decisão, quer seja pelo direito adquirido à aposentadoria quer seja pelo prazo de um ano para que possa ser regularizada a situação funcional, mediante aprovação em concurso público, a realizar a partir de 12 meses da publicação da decisão judicial. Devem esses funcionários seguir as recomendações dispostas na Orientação Conjunta da AGE e SEPLAG nº 01 de 07 de abril de 2014.
 
Quanto aos servidores enquadrados no grupo III, nosso entendimento é que não há medida judicial ou administrativa a ser tomada em favor deles que possa impedir ou retardar o cumprimento da sentença proferida na ADIN-4876, posto que foram expressamente excluídos de qualquer ressalva modulatória que pudessem beneficiá-los; 
 
Para este grupo (III), após o transito em julgado da decisão judicial, caso haja a comprovação de dano moral ou material à analise de cada caso concreto, entendemos ser cabível ação de indenização contra o Estado de Minas Gerais, com base na teoria da responsabilidade civil  do Estado por ato legislativo.
 
A Constituição Federal dispõe no seu art. 37, § 6º, verbis:
 
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. – grifamos. Destacamos.
 
E, ainda, o Código Civil de 2002, em seu art. 43:
 
Art. 43: As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. – grifamos. Destacamos.
Neste sentido é o entendimento do STF:
 
RE 8.889-SP: "O Estado responde civilmente pelo dano causado em virtude de ato praticado com fundamento em lei declarada inconstitucional" (STF, 1ª T., ac. un., rel. Min. Castro Nunes, RDA 20/42-45).
 
Também se manifesta a jurisprudência do egrégio TJMG e do colendo STJ:             
 
CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MINAS GERAIS - CONTRATAÇÕES PRECÁRIAS - DESIGNAÇÃO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ACESSIBILIDADE POR CONCURSO PÚBLICO - LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 100/2007 - INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA - DEMISSÃO IMEDIATA - IMPOSSIBILIDADE - TEMPERAMENTO - INCONSTITUCIONALIDADE DA SITUAÇÃO DECLARADA - DEMISSÃO APÓS O PRAZO DE CONCURSO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
 
- A regra constitucional é pela acessibilidade a cargos públicos por meio de concurso público, em prestígio aos princípios da isonomia, legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência.
 
- Constatada a manutenção de quadro de servidores com 90% de designados, exercendo funções permanentes atinentes ao fim último da Universidade, que deveriam sê-lo por professores efetivos, é correta a determinação de realização de concurso público.
 
- É possível, entretanto ir além, para declarar a inconstitucionalidade dos vínculos mantidos - até porque a lei complementar estadual que os fundamenta foi reputada inconstitucional pelo Órgão Especial deste Tribunal - e determinar a demissão desses servidores ilegitimamente mantidos, desde que conferido prazo razoável e suficiente para que o concurso seja realizado e os cargos preenchidos. (TJMG. Apelação Cível 1.0024.08.043067-1/003 0430671-51.2008.8.13.0024 (1). Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas. Data de Julgamento: 01/04/2014. Data da publicação da súmula: 09/04/2014)
 
 
ADMINISTRATIVO. CRUZADOS NOVOS BLOQUEADOS. MP N. 168/90. LEI N.8.024/90. CORREÇÃO MONETÁRIA. BTNF. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI. NÃO-CABIMENTO.
 
1. Consolidado está, no âmbito do STJ, o entendimento de que a correção dos saldos bloqueados transferidos ao Bacen deve ser feita com base no BTNF. Precedentes.
 
2. Apenas se admite a responsabilidade civil por ato legislativo na hipótese de haver sido declarada a inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado. 3. Recurso especial provido.(STJ. Processo REsp 571645 / RS RECURSO ESPECIAL 2003/0109498-0. Relator(a) Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (1123). Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento 21/09/2006. Data da Publicação/Fonte DJ 30/10/2006 p. 265)
 
 
Assim, se o Estado de Minas Gerais, por seu órgão legislativo, promulgou lei que posteriormente veio a ser declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário com efeitos ex tunc, ferindo a expectativa legítima de ato jurídico perfeito e de direitos adquiridos que posteriormente foram frustrados nasce, pois, o dever de ressarcimento pelos danos causados ao cidadão que, repita-se simplesmente cumpriu a lei então vigente.
 
Uberlândia, 23 de junho de 2014.


[1] ADCT: Art. 19 - Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no Art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 1º - O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.
§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de servidor.
§ 3º - O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei